Sra. Foulon – Texto I

I
(Paris, 6 de fevereiro de 1865, três dias após o decesso.)

evocandoTendo como certo que havíeis de evocar-me logo após o desprendimento, prontificava-me para corresponder-vos, visto não ter experimentado qualquer perturbação. Esta só existe para os seres envoltos e submersos nas trevas do seu próprio Espírito.

Pois bem! meu amigo, considero-me feliz agora; estes míseros olhos que se enfraqueceram a ponto de me não deixarem mais que a recordação de coloridos prismas da juventude, de esplendor cintilante; estes olhos, digo, abriram-se aqui para rever horizontes esplêndidos, idealizados em vagas reproduções por alguns dos vossos geniais artistas, mas cuja exuberância majestática, severa e conseguintemente grandiosa, tem o cunho da mais completa realidade.

Não há mais de três dias que desencarnei e sinto que sou artista: as minhas aspirações, atinentes ao ideal do belo artístico, mais não eram que a intuição de faculdades adquiridas em anteriores existências e na última encarnação desenvolvidas.

Mas, quanto trabalho para reproduzir uma obra-prima e digna da grandiosa cena que se antolha ao Espírito chegado às regiões da luz!

Pincéis! pincéis e eu provarei ao mundo que a arte espírita é o complemento da arte pagã da arte cristã que periclita, cabendo somente ao Espiritismo a glória de revivê-la com todo o esplendor sobre vosso mundo deserdado.

Isto é o bastante para a artista; e agora, à amiga:

“Por que vos incomodar assim, minha boa amiga (refere-se à Sra. Allan Kardec), com o motivo da minha morte?

Vós, principalmente, vós que conheceis as decepções e amarguras da minha existência devereis antes regozijar-vos em sabendo que não mais bebo na taça amarga das dores terrenas, taça esgotada até às fezes.

Crede-me: os mortos são mais felizes que os vivos e pranteá-los é duvidar das verdades espíritas. Tornareis a ver-me, ficai certa.

Se parti primeiro é porque finda estava a tarefa, que aliás cada qual tem na Terra.
Assim, quando a vossa for completada, vireis repousar um pouco junto de mim para recomeçar mais tarde, atento ao princípio de que nada é inativo em a Natureza.

Todos temos más tendências, às quais obedecemos, o que é uma lei suprema e comprobatória da faculdade do livre-arbítrio. Portanto, tende indulgência e caridade, minha amiga, sentimentos esses de que mutuamente carecemos, quer no mundo visível, quer no invisível.

Com tal divisa, tudo vai bem.
Não me direis para cessar de falar.

Sabei, contudo, que, para a primeira vez, bem longa já vai a conversação, motivo pelo qual vos deixo, para dar a vez ao meu excelente amigo Sr. Kardec.

“Quero agradecer-lhe as palavras afetuosas que houve por bem dirigir à amiga que no túmulo o precedeu, visto como escapamos de partir juntos para o mundo em que me encontro!
(Alusão à enfermidade de que falara o Dr. Demeure.)

Que diria então a companheira amantíssima da nossa existência, se os bons Espíritos não tivessem intervindo?

Teria chorado e gemido, o que até certo ponto compreendo.
É preciso, porém, que vele para que não mais vos exponhais a novo perigo, antes de ter concluído o trabalho da iniciação espírita, chegando antecipadamente entre nós e, qual Moisés, não vendo senão de longe a Terra da Promissão.

“É uma amiga que vo-lo diz — acautelai-vos. 

“Agora parto para junto dos meus queridos filhos, depois do que irei ver, além-mar, se a minha ovelha viajora aportou à terra ou permanece à mercê das tempestades.
(Refere-se a uma das filhas que residia na América.)

Oxalá a protejam os bons Espíritos, aos quais para o mesmo fim vou reunir-me. Voltarei a conversar convosco, pois não vos esqueçais de que sou uma conversadora infatigável.

“Até breve, bons e caros amigos; até logo.

Viúva Foulon.

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